De Bertolt Brecht:

"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence." Paulo, merci.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Autonomia universitária como projeto: o estado atual de uma contenda




Alvaro Bianchi*



O governo José Serra publicou no diário oficial do dia 31 de maio
Decreto Declaratório no qual apresenta a interpretação oficial das medidas
anteriores referentes às universidades estaduais. O objetivo deste texto não é
uma análise jurídica dos decretos, para a qual não tenho e não quero ter
competência, e sim a sistematização de algumas idéias sobre seu conteúdo.
Recorri para tal à pesquisa de documentos oficiais, análises produzidas pelo
movimento docente e estudantil e artigos da imprensa. Em várias passagens
reproduzo, de modo mais ou menos livre, idéias a respeito do tema que foram
expostas, na maioria das vezes oralmente, por colegas. Optei, entretanto, por
não citá-los para preservar a distância que porventura queiram ter tanto dos
pressupostos que norteiam a presente análise como de suas conclusões.



O novo decreto, denominado de “declaratório” determina uma
“interpretação autêntica” sobre os dispositivos anteriores fixando “o sentido
exato dos referidos decretos”. Embora seja inusitado no âmbito do Executivo, o
adjetivo “declaratório” que qualifica o decreto não muda seu estatuto. Decretos
existem apenas os do Executivo e do Legislativo. O Decreto Declaratório atende
aos requisitos formais e materiais de um decreto do Executivo e por essa razão
tem o efeito de dispositivo específico que se sobrepõe aos precedentes. Essa
foi, evidentemente, a saída encontrada pelo governo para revogar os decretos que
feriam a autonomia universitária, sem admitir sua derrota e a vitória do
movimento. O importante, pois, é discutir o conteúdo do Decreto, mais do que a
forma que ele assumiu. Os pontos mais importantes sobre os quais deve ser
organizada a discussão são os seguintes:



1.
A admissão de que a execução orçamentária,
financeira, patrimonial e contábil das universidades estaduais e da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) será realizada de acordo com o
princípio da autonomia universitária e que a inserção de dados no sistema
integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem)
(Decreto n. 51.636, de 9 de março de 2007) ocorrerá sem o prejuízo das
prerrogativas:



a)
do artigo 271 da constituição estadual que fixa 1%
da receita tributária do estado para a Fapesp “como renda de sua privativa
administração
, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico”
(grifos meus) e



b)
do artigo 54 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996) que atribui às
universidades mantidas pelo poder público “estatuto jurídico especial para
atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo
Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do regime jurídico do
seu pessoal”.



2.
A manutenção pelas universidades das contas
específicas no Banco Nossa Caixa para efetivar “transferências ou
remanejamentos, quitações e tomar outras providências de ordem orçamentária”.



3.
O reconhecimento da inaplicabilidade às
universidades estaduais dos dispositivos contidos nos decretos n. 51.471, de 2
de janeiro de 2007 (“dispõe sobre a admissão e a contratação de pessoal na
Administração Direta e Indireta”), n. 51.473, de 2 de janeiro de 2007 (dispõe
sobre a reavaliação e a renegociação dos contratos em vigor e das licitações em
curso), e n. 51.660, de 14 de março de 2007 (“institui a Comissão de Política
Salarial”).



4.
A manutenção da Secretaria de Ensino Superior
(Decreto 51.461) e a inaplicabilidade dos artigos 20 e 24 do decreto referente;
e a alteração de seu artigo II, alínea c. Onde antes era feita referência à
“ampliação das atividades de pesquisa, principalmente as operacionais,
objetivando os problemas da realidade nacional” agora se lê “ampliação das
atividades de ensino, pesquisa e extensão”.





Autonomia financeira e controle do orçamento





Essas medidas já constituem importante recuo, resultado de uma
luta unificada de professores, funcionários e estudantes na qual a ocupação da
Reitoria da USP teve um papel de destaque. Torna-se evidente a importância de um
movimento unitário da comunidade universitária e a capacidade desse movimento,
articulado em torno de diferentes formas de luta mas com um programa comum,
conseguir seus objetivos. Não é demais ressaltar que a edição do Decreto
Declaratório foi uma derrota do governo Serra e uma vitória do movimento. A
autonomia administrativa e financeira das universidades estaduais, que havia
sido comprometida pelos decretos n. 51.471, n. 51.473, n. 51.660 e n. 51.636,
foi reconduzida à situação jurídica na qual se encontrava em 2006. Um dos
principais objetivos do governo estadual – o controle do orçamento das
universidades – foi frustrado.



Tal controle, criado por meio de um “ilusionismo jurídico” nas
palavras do professor Dalmo Dallari tinha por finalidades imediatas, em primeiro
lugar, a centralização dos superávits financeiros obtidos pelas universidades
estaduais e utilizados autonomamente por essas instituições para despesas
correntes; e, em segundo lugar, a redução das despesas com “pessoal”
(professores e funcionários) por meio da suspensão de novas contratações e da
centralização das negociações salariais, que deixariam de ser atribuição do
Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp). O objetivo
dos decretos referentes à execução orçamentária e à administração de pessoal
nunca foi, portanto, a transparência dos gastos das universidades como
constantemente afirmado na imprensa e sim a centralização de recursos e a
constrição das despesas com a folha de pagamentos em detrimento da qualidade do
ensino e da pesquisa. Esse objetivo foi impedido pelo movimento.



Problemas, entretanto, persistem e dizem respeito não à situação
jurídica da autonomia mas à nova política de gestão estatal. A autonomia
administrativa e financeira tem como componente essencial a estipulação da
arrecadação do ICMS como base do orçamento das universidades estatuais
paulistas. O Decreto n. 29.598, de 2 de fevereiro de 1989 que instituiu a
autonomia universitária definiu um percentual mínimo do ICMS para as três
universidades: 8,4%. Em 1992, a Lei das Diretrizes Orçamentárias fixou o
percentual de 9,0% para as instituições estaduais de ensino superior e em 1995
esse percentual passou a ser de 9,57%. Essa é uma condição necessária, embora
não suficiente, para uma administração autônoma. A autonomia universitária pode
ser definida como a capacidade de autogestão e autodeterminação das
universidades. Não é possível a autogestão e a autodeterminação sem os recursos
orçamentários que garantam a independência financeira da universidade e lhe
permitam a realização das diretrizes acadêmico-científicas por ela definidas.



A vinculação do orçamento das universidades ao ICMS foi uma
conquista mas ele encerra riscos que precisam ser levados em consideração. As
entidades docentes têm destacado que o governo Serra deixou de publicar
mensalmente a previsão de arrecadação do ICMS, o que dificultará as previsões de
gastos e a formulação de planos estratégicos. Cabe ainda lembrar que o movimento
de docentes e funcionários tem utilizado essas previsões como base em
negociações salariais. Sem essas estimativas mensais, o governo estadual
considerará a previsão de um dado mês igual a 1/12 do ano anterior. Se a
arrecadação efetiva for menor os recursos destinados às universidades poderão
ser inferiores ao previsto, mas se for maior poderá não haver o repasse
automático do adicional, este poderia ser retido pela Secretaria da Fazenda e
caberia ao governo do estado liberar esses recursos em caráter excepcional.



Cabe acrescentar que a nova Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
não prevê a publicação no Diário Oficial ou por outro meio dos repasses
previstos e efetuados para as universidades estaduais a partir de 2008. Ao mesmo
tempo em que cobrava das instituições estaduais de ensino superior a
transparência administrativa mediante a realização e escrituração em tempo real
da execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil no Siafem, o
governo recusa-se a tornar público o financiamento das universidades estaduais.



A revogação de fato dos decretos referentes à gestão financeira e
administrativa das universidades não coloca a autonomia universitária a salvo.
Mas agora se trata de uma ameaça latente e não de uma ameaça real. Há,
entretanto, uma questão sobre a qual o movimento não discutiu e diz respeito ao
funcionalismo estadual. A manutenção dos decretos n. 51.471, referente à
admissão e a contratação de pessoal, e n. 51.660, que institui a Comissão de
Política Salarial, tem efeitos sobre o conjunto dos serviços públicos e
comprometerá a prestação desses serviços. Embora tais decretos não se apliquem
mais às universidades estaduais paulistas eles incidem sobre os demais serviços
de saúde e ensino do estado, bem como sobre autarquias e outros órgãos públicos.





A Secretaria de Ensino Superior e o sistema
estadual de ensino e pesquisa





O Decreto Declaratório é lacônico sobre a criação da Secretaria
de Ensino Superior. Mesmo assim, importantes reivindicações do movimento foram
atendidas. Em primeiro lugar, foi decretada a inaplicabilidade para as
universidades estaduais do artigo 20, que dizia respeito às funções de gestão
financeira e orçamentária da Unidade de Coordenação do Planejamento e Avaliação
e, o mais importante, do artigo 24, que dizia respeito competências do
Secretário de Ensino Superior. A revogação das competências do secretário
referentes às universidades estaduais retira deste toda e qualquer possibilidade
de violação direta da autonomia financeira, administrativa, científica e
pedagógica e esvazia as funções da Secretaria de Ensino Superior. Não tem sido
dada a devida atenção a este ponto, mas é, certamente, um dos mais importantes
do Decreto Declaratório. A seguir, o Decreto Declaratório elimina a referência à
“pesquisa operacional” do texto original. As funções da Secretaria ficam assim
na nova formulação:


“I - a proposição de
políticas e diretrizes para o ensino superior, em todos os seus níveis; II - a
coordenação e a implementação de ações de competência do Estado com vista à
formação de recursos humanos no âmbito do ensino superior; III - a promoção da
realização de estudos para: a) desenvolvimento e aprimoramento do ensino
superior; b) aumento da acessibilidade ao ensino superior; c) ampliação das
atividades de ensino, pesquisa e extensão; d) busca de formas alternativas para
oferecer formação nos níveis de ensino superior, com vista a aumentar o acesso à
Universidade, respeitadas a autonomia universitária e as características
específicas.”; IV - o intercâmbio de informações e a colaboração técnica com
instituições públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais; V -
o desenvolvimento e a implementação de sistemas de informações destinadas a
orientar as instituições de ensino médio diante das dificuldades encontradas
pelos alunos nos cursos de formação universitária; VI - a articulação com a
Fundação Memorial da América Latina para divulgação e intercâmbio da cultura
brasileira e latino-americana e sua integração às atividades intelectuais do
Estado.”


No que diz respeito
exclusivamente às universidades estaduais tais funções não são nem mais nem
menos abrangentes das que encontravam sua sede na antiga Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. São linhas gerais que prevêem a
definição de propostas de coordenação do ensino superior em todos os seus
níveis, mas não a execução destas. As funções declaradas da Secretaria não
comprometem a autonomia universitária. Dentre tais funções apenas o inciso I
poderia ser interpretado como uma ameaça à autonomia, mas tal interpretação faz
pouco sentido. A “proposição de políticas” foi prática corrente nos governos
anteriores e antecede a criação da Secretaria. A rigor, qualquer um pode propor
políticas e o próprio movimento docente faz isso freqüentemente. A questão não
reside, obviamente na proposição e sim na execução. No art. 21 do Decreto está
prevista, por outro lado, a atribuição de “sugerir políticas e executar
programas” referentes ao ensino superior, mas na medida em que o secretário, que
é quem teria justamente a função de coordenar essas iniciativas, não tem as
atribuições para tal perante as universidades estaduais cria-se um impasse. A
Secretaria não terá, pois, a condição de impor às universidades estaduais nada
que elas não estejam dispostas a fazer.


A questão principal
envolvendo a Secretaria de Ensino Superior não é, pois, a da criação de um órgão
capaz de coordenar o sistema estadual de pesquisa e ensino superior. Um órgão de
coordenação das iniciativas desse sistema, que reunisse as instituições públicas
que o compõem poderia ter efeitos positivos sobre o desenvolvimento científico e
acadêmico do estado, bem como sobre a democratização do acesso às universidades
estaduais. Autonomia não implica na inexistência de diretrizes ou de um plano
estratégico que dê um norte às atividades desenvolvidas pelas universidades
estaduais. A concepção que sustenta a criação da atual Secretaria é entretanto
perversa. Ela implicou na não inclusão na Secretaria da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Centro Paula Souza que administra
além de 130 Escolas Técnicas Estaduais (Etecs), 29 Faculdades de Tecnologia (Fatecs)
no estado, instituições que passam a pertencer à recém criada Secretaria de
Desenvolvimento.



As universidades estaduais não resumem suas atividades ao ensino
superior. Elas desenvolvem importantes atividades de pesquisa e extensão e têm
se destacado nacionalmente como os principais pólos de produção de conhecimento
e inovação científica do país. Uma Secretaria voltada exclusivamente para a
organização do ensino superior evidencia uma concepção limitada das funções das
universidades estaduais. Enquanto o ensino superior é um “ensino pós-secundário
voltado para a formação de quadros profissionais de nível superior” as
universidades são sedes da “produção de conhecimento novo e pioneiro – bem como
formação de pesquisadores que mantenham, reproduzam e ampliem esse sistema de
inovação” (Moraes e Ghisolfi, 2002, p. 5-6). A própria denominação da Secretaria
expressa a dissociação entre ensino e pesquisa que visa promover.



Essa concepção limitada das funções das universidades ganha
contornos precisos no art. 21 do Decreto que a instituiu. Por meio desse artigo
foi criada, como parte da estrutura da Secretaria, uma Unidade de Promoção do
Desenvolvimento do Ensino Superior que não tem entre suas atribuições a pesquisa
e a extensão. Tal unidade seria responsável por “sugerir políticas e executar
programas, projetos e ações relativos à formação de profissionais qualificados
em todos os níveis do ensino superior, de modo a atender as necessidades da
população e as demandas do mercado.” Quando o desenvolvimento do ensino superior
se encontra reduzido à “formação de profissionais” as universidades estaduais
são confundidas com o ensino “pós-secundário” que caracteriza as faculdades e
universidades particulares.



Os problemas institucionais referentes à criação da Secretaria de
Ensino Superior foram ressaltados em artigo por Dalmo Dallari. O Decreto n.
51.460 de 1 de janeiro de 2007 simplesmente alterou a denominação da Secretaria
de Turismo, que passou a se chamar Secretaria de Ensino Superior. Embora o
Decreto n. 51.461 tenha fixado a estrutura organizativa da nova Secretaria, seu
corpo de funcionários e sua estrutura material permanecem os mesmos da antiga
Secretaria de Turismo. A nova Secretaria do Ensino Superior não terá, desse
modo, as condições materiais de exercer as funções para as quais supostamente
foi criada. Carece completamente de recursos humanos especializados e de
infra-estrutura material para tal.



Outros problemas são decorrentes da permanência da Fapesp e do
Centro Paula Souza na Secretaria de Desenvolvimento. Também aqui houve uma
mudança que renomeou a antiga Secretaria da Ciência, Tecnologia e
Desenvolvimento Econômico. A alteração do nome implica na supressão da ciência e
da tecnologia do âmbito dessa Secretaria? Não parece ser esse o caso, já que as
Fatecs, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e a Fapesp permanecem nessa
Secretaria. A mudança de nome indica, entretanto, uma concepção de
desenvolvimento que reduz este à expansão das oportunidades de negócios, ao
mesmo tempo em que concebe a ciência e a tecnologia como meios para tal. Em seu
site a Secretaria de Secretaria de Desenvolvimento (SD) se autodefine do
seguinte modo:


“é o órgão do Governo
do Estado de São Paulo responsável pela promoção do desenvolvimento sustentável.
Articulação, planejamento estratégico e coordenação das políticas estaduais na
área econômica são suas atividades principais. Atua nos elementos essenciais do
desenvolvimento: educação superior, técnica e tecnológica; pesquisa e
desenvolvimento científico e tecnológico; infra-estrutura de tecnologia
industrial; e inovação. Busca a competitividade de São Paulo em harmonia com
ganhos de competitividade para o Brasil. A política adotada promove a
harmonização do desenvolvimento de todas as regiões, trazendo o incremento das
exportações, na busca de novos mercados para a retomada da produção nacional.
Concentra suas ações no apoio aos setores com maior capacidade competitiva a fim
de contemplar empresários e trabalhadores. Realiza um esforço em prol da
regionalização para devolver ao interior sua capacidade de geração de trabalho e
renda.”


Essa definição,
provavelmente remanescente da antiga Secretaria da Ciência, Tecnologia e
Desenvolvimento Econômico, incorpora a educação superior como um instrumento
desse desenvolvimento. Mas é apenas uma pequena parcela da educação superior
estadual, aquela representada pelas Fatecs, que encontra sua sede nessa
Secretaria. Em compensação, os principais pólos de desenvolvimento científico e
tecnológico do estado – as três universidades estaduais – não estão incorporados
a ela e, portanto, não participarão diretamente da articulação, planejamento e
coordenação das políticas estaduais de desenvolvimento. Mas a permanência da
Fapesp no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento lhe fornece o instrumento para
coagir as universidades a se incorporarem na realização dessas políticas.



Mesmo mantida a autonomia didático-científica, administrativa e
financeira pode ocorrer o direcionamento da pesquisa e das atividades das
universidades estaduais por meio do financiamento. Este risco não é novo, nem
latente. Trata-se de uma ameaça que já existia antes mesmo da criação da nova
Secretaria de Ensino Superior. As prioridades manifestadas pela Fapesp nos
últimos anos revelam uma agenda na qual a pesquisa básica e as áreas que compõem
as humanidades eram francamente subvalorizadas e subfinanciadas, em detrimento
das áreas voltadas para o que se chama hoje de “pesquisa operacional” (ver
tabelas 1 e 2).
[1]
O anúncio dia 10 de abril de 2007 da criação do Instituto Microsoft
Research-Fapesp para pesquisas em tecnologias da informação expressa essas
prioridades. A Fapesp destinará US$ 400 mil para um projeto cujo maior
beneficiário é a Microsoft, empresa que tem no conselho consultivo internacional
de seu programa Partners in Learning o ex secretário adjunto da
Secretaria de Ensino Superior, Eduardo Chaves.



O impacto dessas novas prioridades na Fapesp pode ser claramente
verificado na Tabela 3. Nas universidades estaduais a variação dos investimentos
seguiu trajetórias diferenciadas mas que, de qualquer modo, não permitem nenhum
otimismo. Na USP o aumento dos investimentos em pesquisa pela Fapesp acompanhou
o crescimento do volume total, enquanto na Unicamp o crescimento dos
investimentos foi muito inferior ao aumento desse volume, o que implicou uma
diminuição da participação dessa universidade no total de investimentos da
Fapesp. O caso da Unesp é crítico, na medida em que houve forte retração dos
investimentos, que diminuíram consideravelmente em termos absolutos. Em direção
oposta caminham os investimentos em instituições particulares de ensino e
pesquisa que viram os investimentos da Fapesp aumentarem 89,09% entre 1998 e
2002 e sua participação no total de investimentos subir de 2,98% para 4,60%.
Também é evidente o grande crescimento dos investimentos dirigidos diretamente a
empresas privadas, que tiveram um crescimento de 195,99% no mesmo período.







Tabela 1




Dispêndios realizados pelo CNPq no Estado de São Paulo,

por área do conhecimento (em R$ mil de 2003) – 2000-2002




























































































Área do
conhecimento



2000



2001



2002



Agronomia e
veterinária



15.924



15.877



17.397



Arquitetura
e urbanismo



696



719



555



Biologia



26.116



27.485



23.171



Ciências
humanas e sociais



32.805



33.339



30.337



Economia e
administração



5.799



7.758



4.184



Engenharia.



34.357



38.455



33.021



Física



8.939



9.890



8.125



Geociências



8.062



8.913



8.514



Matemática



3.901



3.958



3.572



Química



9.621



8.646



8.572



Saúde



20.394



21.433



21.769



Sem
informação



3.266



3.014



2.230



Total



169.880



179.485



161.447




Fonte:
CNPq.
Indicadores de CT&I

em São Paulo –
2004, FAPESP





Tabela 2




Dispêndios da FAPESP, por área do conhecimento

(em R$ mil de 2003) – 1998-2002
































































































































Área do
conhecimento



1998



1999



2000



2001



2002



Agronomia e
veterinária



45.372



53.563



35.533



46.173



35.141



Arquitetura
e urbanismo



3.614



3.923



2.329



2.624



2.480



Astronomia e
Ciência espacial



3.448



3.727



4.458



5.876



4.616



Biologia



58.705



100.451



90.899



124.101



95.424



Ciências
humanas e sociais



49.145



62.745



49.350



63.965



44.406



Economia e
administração



3.311



3.679



1.931



3.249



3.437



Engenharia



68.393



78.198



62.327



86.493



85.013



Física



37.448



43.119



30.328



44.011



39.193



Geociências



14.704



15.934



10.462



14.729



13.791




Interdisciplinar



13.562



21.990



20.546



61.217



49.408



Matemática



12.354



16.848



9.844



14.330



9.869



Química



31.669



41.124



32.059



36.053



36.866



Saúde



85.201



103.318



79.295



110.578



102.859



Total



426.927



548.619



429.361



613.399



522.502




Fonte:

Fapesp.
Indicadores de CT&I

em São Paulo –
2004, FAPESP




Em suma, essa divisão do sistema de pesquisa e ensino superior estadual tem
efeitos sobre os quais é importante refletir:



1.
Promove a separação entre atividades de ensino e
pesquisa, uma vez que a Fapesp, fonte insubstituível de financiamento
encontra-se em secretaria diferente.



2.
Separa a pesquisa básica da pesquisa aplicada (ou
“operacional” no jargão do governo Serra) uma vez que importantes centros de
ensino e pesquisa tecnológica não são incorporados à Secretaria (além das Fatecs,
que são também instituições de ensino superior, poderia se destacar a não
incorporação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas).



3.
Atrela a Fapesp a uma Secretaria que tem por
objetivo justamente aquela “pesquisa operacional” que havia sido mencionada na
primeira versão do Decreto.





Tabela 3



Dispêndios da
FAPESP, por instituição receptora (em R$ mil de 2003) – 1998-2002














































































































































































Instituição



1998



% 1998



1999



% 1999



2000



% 2000



2001



% 2001



2002



% 2002



Var.



1998 -
2002



USP



184.430



43,20%



226.615



41,31%



189.841



44,21%



263.878



43,02%



227.395



43,52%



23,30%



Unicamp



68.179



15,97%



83.361



15,19%



59.262



13,80%



83.829



13,67%



71.505



13,69%



4,88%



Unesp



64.764



15,17%



80.491



14,67%



54.784



12,76%



67.047



10,93%



52.197



9,99%



-19,40%



Governo do Estado de São Paulo



43.591



10,21%



69.199



12,61%



53.428



12,44%



89.612



14,61%



70.917



13,57%



62,69%



Governo federal



43.133



10,10%



50.267



9,16%



42.021



9,79%



69.267



11,29%



60.754



11,63%



40,85%



Entidades particulares de ensino e pesquisa



12.724



2,98%



24.343



4,44%



15.842



3,69%



21.557



3,51%



24.060



4,60%



89,09%



Soc. e assoc. científ.e profissionais



145



0,03%



221



0,04%



238



0,06%



682



0,11%



1.127



0,22%



677,24%



Empresas particulares



4.011



0,94%



5.698



1,04%



6.367



1,48%



11.857



1,93%



11.872



2,27%



195,99%



Pessoas físicas



5.323



1,25%



7.589



1,38%



6.792



1,58%



5.040



0,82%



1.574



0,30%



-70,43%



Entidades municipais



626



0,15%



833



0,15%



786



0,18%



630



0,10%



1.101



0,21%



75,88%



Total



426.926



100,00%



548.617



100,00%



429.361



100,00%



613.399



100,00%



522.502



100,00%



22,39%



Fonte: Elaboração
própria a partir de dados de Fapesp.
Indicadores de CT&I

em São Paulo – 2004, FAPESP




Pensar o futuro





Embora o Decreto Declaratório tenha afastado a ameaça real que
existia à autonomia universitária, esta permanece como uma ameaça latente. A
autonomia financeira e administrativa das universidades estaduais paulistas é
muito mais desenvolvida do que aquela que, com base na Constituição de 1988, foi
atribuída às universidade federais. Mas a autonomia das universidades paulistas
foi construída sobre uma base extremamente instável desde que o então governador
Orestes Quércia a instituiu por meio do Decreto n. 29.598, de 2 de fevereiro de
1989. Ao optar por essa via criava uma situação de instabilidade jurídica que só
poderia ser resolvida por meio de promulgação de lei que afirme essa autonomia e
os recursos necessários para sua viabilização..



A criação da Secretaria do Ensino Superior pelo governo do estado
colocou para o movimento de docentes, funcionários e estudantes das
universidades estaduais paulistas a necessidade de discutir uma proposta para a
organização do sistema estadual de pesquisa e ensino superior. Ao que tudo
indica o governo negociou com o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais
Paulistas (Cruesp) a abertura de discussões sobre esse tema. A afirmação de que
o governo estadual não tem um plano para o ensino superior, corrente no
movimento docente, é ingênua e perigosa. Há evidentemente uma concepção que
norteou os decretos de Serra. Essa concepção é responsável pela fragmentação do
sistema estadual de pesquisa e ensino superior, pelo veto na LDO ao aumento da
cota-parte do ICMS destinada às universidades estaduais, pelos privilégios
concedidos à “pesquisa operacional”, pela expansão de vagas nas universidades
estaduais sem as contrapartidas orçamentárias, etc.



As ações do governo estadual tiveram um efeito inesperado. Elas
colocaram o debate da autonomia universitária e da organização do sistema
estadual de pesquisa e ensino superior na agenda pública. As associações
docentes e de funcionários e o movimento estudantil acolhem hoje uma intensa
discussão sobre temas que até então se encontravam fora da pauta. Na
Universidade de São Paulo (USP) ganha força a proposta de realização de uma
estatuinte universitária. Esta é uma oportunidade ímpar para a USP, a Unesp e a
Unicamp acertarem contas consigo próprias, impedirem a privatização ‑ ou seja,
a orientação por interesses privados do ensino e da pesquisa ‑ e discutirem um
projeto de universidade autônoma e democrática. A comunidade universitária não
tinha como prever no início do ano, quando professores como Alcir Pécora e
Francisco Foot Hardman começaram a denunciar na imprensa o conteúdo dos decretos
de José Serra, até onde a resistência poderia ir. A fortuna bateu a nossa porta.
Resta agora procedermos com virtù.





Referências bibliográficas:





FAPESP. Indicadores de CT&I
em São Paulo – 2004.
São Paulo: Fapesp, 2004.



MORAES, Reginaldo C. e GHISOLFI, Juliana do Couto. Ensino
superior não é universidade – e o que disso se pode extrair? Primeira Versão,
Campinas, n; 110, p. 5-22, out. 2002.













[1]
Mesmo esses
dados devem ser tomados com cuidado, uma vez que a divisão em áreas de
conhecimento é assimétrica. Enquanto áreas como Física, Química e Matemática
são autoevidentes o mesmo não acontece com a área de Ciências Sociais e
Humanas. Os anexos metodológicos dos
Indicadores de
CT&I em São Paulo – 2004
, FAPESP apresentam
a nova classificação por área do Inep/MEC e a da Capes, mas nenhuma delas
agrupa Ciências Sociais e Ciências Humanas. Para ilustrar a arbitrariedade
dessas classificações basta relatar que a nova classificação do Inep/MEC, de
acordo com padrões da OCDE, inclui as Ciências Sociais na área “Ciências
sociais, negócios e direito”. Desse modo, as Ciências Sociais integram uma
área juntamente com “Ciências gerenciais, Emprendedorismo, Formação de
executivos”, mas encontra-se separada da História e da Filosofia, que
integrariam a área de Humanidades e Artes. Nas tabelas 1 e 2, a área de
Ciências Sociais e Humanas inclui no mínimo Filosofia, Sociologia,
Antropologia, Arqueologia, História, Geografia, Psicologia, Educação,
Ciência Política e Teologia.

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